Leopoldo Zea formula a sua concepção de filosofia a partir de pressupostos historicistas que nos permitirão compreender melhor a sua argumentação, essencialmente quanto aos conceitos de originalidade e autenticidade. Para si, a filosofia parte de circunstâncias determinadas, ou seja, dos problemas que tais circunstâncias colocam ao homem e sobre os quais se buscam soluções. Para este autor, juntamente com o historicismo há que atender ao existencialismo, como complemento da atitude filosófica que concebe o Homem nas suas circunstâncias concretas, ou situação real.
Para Zea, o historicismo juntamente com a corrente existencialista e por visarem uma filosofia concebida a partir de circunstâncias existenciais, culturais e históricas determinadas, fazem com que a América Latina se descubra, no século XX, como objeto filosófico, se descubra na realidade concreta de sua cultura. No processo de descobrir-se a si mesma, surgem as perguntas e a preocupação pela originalidade, e autenticidade do Homem, e da cultura real da América Latina, enquanto tal.
Nesse sentido, pergunta-se especificamente no campo da filosofia pela sua originalidade, autenticidade, inclusive se existem possibilidades de um filosofar na América Latina, embora a questão já implique num certo sentido, um modo de filosofar. Conforme a ideia de Zea, o núcleo do problema reside justamente nesse perguntar pela possibilidade de perguntar, na preocupação pela originalidade e autenticidade da cultura filosófica americana. Tal perguntar (pela possibilidade de perguntar) emerge a partir de uma dimensão antropológica que o autor denomina ‘sentimento de diversidade’.
A resposta ao porquê perguntar-se pela possibilidade de perguntar, pela originalidade e autenticidade em filosofia (ou na Filosofia Americana, neste caso ) é compreendida a partir desse sentimento de diversidade. Nesse sentido, a circunstância latino-americana por aparecer como distinta, peculiar, reflecte-se na filosofia do século XX, principalmente no historicismo e no existencialismo que a captam muito bem, nos seus contornos históricos e culturais.
Pode perguntar-se, por exemplo, pela humanidade dos índios. Tendo em vista a expansão da civilização ocidental sobre o continente latino-americano e a presença dos povos indígenas nesse continente, surgiram várias indagações relativas á humanidade dos indígenas; se possuíam, por exemplo, o “logos” capaz de ordenar e organizar sua existência no mundo. Com efeito, esta expansão do mundo ocidental sobre o continente americano, configurou-se como uma negação do ser do indígena surgindo, por isso, a sempre presente necessidade do indígena se afirmar como Homem que possui uma personalidade, sentimentos e uma cultura que lhe são característicos. Este esforço do latino-americano para afirmar-se como “Homem” teve como ponto de partida os limites do próprio “logos” europeu dominador, um logos que concebe o “Homem” a partir de seu modelo específico de homem (o europeu) : Homem é o que possui todos os traços e características do homem europeu, ou seja, ser branco, olhos azuis, cristão… Nesse sentido, as respostas que surgem relativas ao ser dos indígenas, são sempre respostas alienantes pois são dadas a partir de um logos dominador, que nega o que está além de suas fronteiras. Respostas que, ao invés de desvendar e afirmar o ‘Ser’ do homem americano, encobre-o e nega-o.
A filosofia inicia-se, portanto, tentando dar uma resposta à indagação de se o índio é humano ou o seu contrário, ou, ainda, se possui a essência humana tal como a possui o europeu. Portanto, a princípio, a filosofia latino-americana constituiu-se como afirmação antropológica do índio que sentiu-se como distinto, diferente do europeu e que por isso precisava ser considerado como ‘Homem’. Em seguida, nos séculos XIX e XX, há na história da filosofia latino-americana o que se denominou “emancipação mental” ou “a consciência do facto da dependência dos países latino-americanos em relação às suas metrópoles”- Portugal e Espanha. A relação de dependência entre colónias e metrópoles, segundo os teóricos da “emancipação mental”, apenas pode ser eliminada com a eliminação da cultura dependente em geral, ou seja, hábitos e costumes herdados das metrópoles, e não apenas eliminando-se a dominação política pela violência,como por exemplo defendia Salazar Bondy.
Em suma, a questão da especificidade de um pensar genuinamente latino-americana está sempre imbuído de contornos histórico-culturais-políticos, assentes numa lógica de domínio e poder, sob os quais se tem entendido não ser, tal pensar (latino-americano), suficientemente ‘puro’, e autónomo , mas sim distinto e particular.
A partir desta concepção relativista e instrumentalista do pensamento filosófico, Zea acha possível a criação de uma filosofia autenticamente latino-americana, enquanto instrumento de libertação humanista. A ‘latino-americanidade’ desta filosofia, consistiria na idiosincrasia dos pensadores dos vários países, os quais interiorizariam os sistemas de pensamento europeus, matizando-os com os seus próprios problemas e maneira de os encarar. Nesta autenticidade se enriqueceria o pensar e o sentir próprios da América Latina!